Mandala Coletiva em Movimento

EU SOU UM OUTRO VOCÊ

Dra. Maria Julia Pascali

Utilizando um quadro comparativo com valores e critérios do Novo e Velho paradigmas, podemos responder ao momento histórico com treinamentos e jogos para o estado de presença e criação coletiva com percepção e adoção de uma atitude onde se exercite: estado de presença, democracia, cidadania, autoestima, sociabilidade e novas postura e visão diante do planeta e de todos os reinos. A Mandala Coletiva é uma prática de integração comunitária que congrega rito de passagem e arte.

Utilizando un cuadro comparativo con los valores y criterios del Nuevo y Viejo paradigmas, podemos responder al momento histórico con entrenamientos y juegos para el estado de presencia y de creación colectiva con percepción y adopción de una actitud donde hay el ejercicio de: estado de presencia, la democracia, la actitud de la ciudadanía, autoestima, sociabilidad y la nueva postura y visión y en el planeta y todos los reinos. La Mandala Colectiva es una práctica de integración comunitaria que reúne arte y rito de pasaje.

Using a comparative table with values and criteria from the New and the Old paradigm, we can respond to the historic moment with training and games providing a state of presence and a collective creation with the perception and the adoption of an attitude that enables us to exercise: presence state, democracy, citizenship, self-esteem, sociability and a new attitude and vision of the planet and of all realms. Mandala Collective is a practice of community integration that brings together art and ritual of passage.

“No passado, os átomos que hoje constituem o nosso corpo podem ter estado num vulcão, nas rochas, nos oceanos, na atmosfera, num carvalho, numa águia e em outras pessoas do passado e do presente. O que mudou ao longo dos éons foram as combinações desses átomos entre si - não os átomos.” (Peter Russell)

Convivendo com nações indígenas e cultivando artes orientais, fui abordando metodologias que integram o cheiro do mato com o toque do sino, as estrelas e as galinhas, um ferro abandonado e o rubi encarnado, documento e ficção.

Nós, seres expressivos e atuantes, estamos respondendo ao momento histórico com treinamentos e jogos para o estado de criação e construção estética com percepção e adoção de uma atitude que incorpora valores como simplicidade, solidariedade, profundidade, espiritualidade, síntese, interioridade, respeito ao diferente, unidade na diversidade, cooperação, desapego e visão holística, buscando desenvolver a expressão artística multidisciplinar de um ser harmonioso e integrado ao presente.

Entre professores e artistas não há diferença, aliás, não há diferença também entre nossas ações e a conversa de duas crianças. Todos estamos no centro gerador deste maravilhoso e primordial ato de comunicação.

Esta proposição é um convite às equipes de trabalho para refletir e agir sobre algumas implicações do ato da comunicação, especialmente no que diz respeito ao caráter educacional e de formação.

Estamos vivenciando uma imbricação de valores oriundos de dois paradigmas. Como seres criativos, produtores de informação, somos convidados a decifrar os valores relativos tanto ao Velho quanto ao Novo Paradigmas e a tomar posição consciente frente aos signos e sua emissão. Diante do conhecimento dos valores característicos de cada Paradigma poderemos fazer um perfil mais acurado dos preceitos que norteiam nossas propostas e ações. Observando como são concebidas as propostas, como se dão as relações entre pessoas, temas e expressões, o relacionamento com a produção e a difusão dos trabalhos, podemos perceber quais valores estão nos regendo.

Através de treinamentos e auto-conhecimento, tornamo-nos mais conscientes a respeito dos signos que estamos gerando e do efeito que estes signos provocam em nós mesmos, nas pessoas e seres que nos rodeiam, incluindo todos os reinos, visíveis e invisíveis. Podemos atuar na construção dos valores do Novo Paradigma, contribuindo, assim, de forma criativa, efetiva e responsável na construção do modo de vida do Terceiro Milênio.

NOVO PARADIGMAVELHO PARADIGMA
Nomesholísticocartesiano
ecológiconewtoniano
sistêmicoracionalista
RaízesTeoria Quântica (séc. XX Einstein)Ciência mecanicista (séc. XVII)
Percepção e Consciência Ecológicas - interligação e interdependência fundamentais de todos os fenômenos.Sistema de valores patriarcal - dominação e controle da Natureza.
Critérios1. Mudança da parte para o Todo. As propriedades das partes só podem ser entendidas a partir da dinâmica do todo. 1. Acreditava-se que em qualquer sistema complexo a dinâmica do todo poderia ser compreendida a partir das propriedades das partes.
2. Mudança de estrutura para processo. Cada estrutura é vista como a manifestação de um processo subjacente.2. Pensava-se que havia estruturas fundamentais, bem como forças e mecanismos por cujo intermédio estas interagiam, dando nascimento ao processo.
3. Mudança de ciência objetiva para “ciência epistêmica” Acredita-se que a epistemologia (compreensão do processo de conhecimento) deve ser incluída na descrição dos processos naturais.3. Acreditava-se que as descrições eram objetivas, isto é, independentes do observador humano e do processo de conhecimento.
4. Mudança de construção para rede enquanto metáfora do conhecimento. Na medida em que percebemos a realidade como uma rede de relações, nossas descrições formam, igualmente, uma rede interconexa representando os fenômenos observados.4. A metáfora do conhecimento como construção - leis fundamentais, princípios fundamentais, blocos de construção fundamentais, etc. - tem sido usada na ciência e na filosofia ocidentais por milênios. Os alicerces estão se desagregando.
5. Mudanças de descrições verdadeiras para descrições aproximadas. Se reconhece que todos os conceitos, todas as teorias e todas as descobertas são limitadas.5. O paradigma cartesiano baseou-se na crença de que o conhecimento científico poderia alcançar a certeza absoluta e final.
6. Cooperação com a Natureza. Na nova ciência deve-se desenvolver a cooperação com a natureza, e os cientistas devem procurar o conhecimento a fim de aprenderem a respeito dos fenômenos naturais e serem capazes de seguir a ordem natural e de fluir na corrente do Tao (como se expressam os sábios chineses).6.  O propósito da ciência e seu método, ainda hoje, são quase sinônimos de dominação e de controle da natureza, atitudes associadas a atitude patriarcal.
7. Lar Terrestre.  Quando digo ”estou em casa” quero dizer que eu faço parte de, e estou intimamente envolvido com uma realidade maior do que eu mesmo. Pertenço a todos os seres humanos, a todos os animais, às plantas. Estou em casa com eles, sou responsável por eles e para eles neta unidade cósmica.7. “Isto pertence a mim” O que nos dava uma falsa alegria, uma busca incessante de satisfação, era o consumo, ampliado a níveis abstratos e megalômanos até, e a posse objetiva ou mediada pelo dinheiro.
8. Gratidão. A espiritualidade começa com um senso de gratidão por estar vivo, gratidão pela dádiva deste universo ao qual pertencemos. No dar e no receber da vida de todos os dias, cada ação pode se tornar uma grata celebração desse pertencer, uma grata celebração da vida.8. Eu como categoria distinta. Egoísmo.
Valores1. Inspiração mútua entre ciência e religião1. Conflito entre ciência e religião
2. Interdisciplinaridade2. Especialização
3. Integração e Cruzamento Cultural.3. auto-afirmação e Xenofobia
4. Pensamento intuitivo4. Pensamento racional ou discursivo
5. Síntese5. Análise
6. Holismo/ Pensamento não-linear6. Reducionismo
7. Cooperação7. Competição
8. Conservação8. Expansão
9. Qualidade9. Quantidade
10. Participação10. Dominação
11. Humanismo11. Individualismo
12. Poético ou metafórico12. Proposicional
13. Vivencial13. Abstrato
14. Histórias, Testemunhos e Diálogos14. Proselitismo
15. Responsabilidade e Sensibilidade15. Exploração e Autodestruição
16. Autoconsciência16. Alienação
17. Relações17. Objetos
18. Enriquecimento mútuo - Convívio18. Exclusão - Isolamento
19. Sabedoria está no brincar (brincamos para chegar ao significado)19. Trabalhamos para alcançar um fim
20. Mundo como sistema vivo que tem sua própria inteligência e consciência20.  Mundo como um sistema mecânico e morto
21. Diálogo com a Natureza e com a fonte profunda de todas as coisas21.  Dominação e Controle
22. Tolerância e Pluralismo22. Intolerância e Monolitismo
23. Aproximações23. Dogmas
24. Ética24. Progresso
25. Experiência existencial e espiritual25. Existência intelectual
26. Entregar-se a experiência - Permitir que a experiência faça alguma coisa em nós - Enriquecimento da Verdade26. Objetividade intelectual, Reflexiva e analítica - Subjugar a Realidade -  Empobrecimento da Verdade
27. Participante de importância vital no cosmos vivo27. Observador passivo e separado do processo e movimento do cosmos
28. Tempo é arte28. Tempo é dinheiro
29. Heterogênese: processo contínuo de re-singularização29. Homogeneidade e Massificação
30. Complementaridade dos opostos30.  Luta entre os opostos
31. Noções de interesse coletivo31. Noções de proveito próprio
32. Relato32. Informação

Eu sou um outro Você

Mandala em Movimento

Temos o contexto do Novo Paradigma (propostos por Fritjof Capra e Felix Guattari,) dentro do estado atual da humanidade e do planeta. Como lidar com a arte dentro disso? Na arte ultrapassamos a noção do tempo, quando mergulhamos num canal que se comunica com tudo que está dentro e ao redor. Num campo quântico, e em conjunto, percebem-se estados de solidariedade imensa e de amor, a ponto de poder estar num outro você - Eu sou um outro você (ou Tu és um outro eu). E o que significa Eu sou um outro você? Fazer um exercício de escutar e compreender o que outro está a expressar. Compreenda-se este outro num amplo espectro: seres humanos, animais, pedras, plantas, terra e céu, outros tempos e espaços, visíveis e invisíveis. O teatro enquanto conhecimento colabora tanto para a individuação como para o fazer coletivo, possibilitando um ultrapassar-se e transformar-se num estado de criação em permanente mutação. Quando se está criando em conjunto, em estado de presença, percebe-se o surgir de algo que é fruto do todo, de todos, que responde plenamente ao instante e nos transforma. Transforma num sentido de profunda revelação e até de transcendência. Quando estamos presentes, realmente vívidos, os nossos átomos estão expandidos, em alta comunicação, e estão se congraçando com toda a matéria pulsante, seres humanos, madeiras, plantas, ar ou eletricidade.

Quando seres em estado de presença estão em contato com o cosmos em situações organizadas, surgem percursos civilizatórios (quaisquer organizações performáticas, sociais, culturais ou artísticas) que correspondem a determinada matriz cósmica. Nestes instantes nos encontramos em comunhão, em harmonia com a Sincronicidade (uma rede que envolve todo Universo em todos os tempos, conforme conceito chinês), num centro que engendra saúde e solidariedade. Sentimos estar no momento certo, fazendo a coisa certa. As fórmulas vão aparecendo com o fazer, o caminho vai sendo traçado pelo próprio caminho. E isto se aplica a treinamentos com professores, diretores, performers e cidadãos de todas as idades.

Passo a passo

Descrevemos agora um destes percursos intuídos a partir de vivências com culturas indígenas e ensinamentos orientais. A Mandala Coletiva Eu sou um outro você tem sido uma proposição que tem trazido muita luz rumo ao Novo Paradigma e a vivência do estado de presença em conjunto, podendo ser vista como uma dinâmica interativa, um jogo teatral ou teatro de animação, acolhendo várias linguagens expressivas e congregando pessoas de todas as idades e culturas.

  1. Primeira condução: fechar os olhos e sentir a respiração profunda. Ainda que cada um perceba este sentir à sua maneira, existe um estado de semelhança que vai harmonizando as vibrações do grupo.
  2. Oferecidos pelos propositores ou buscados ao redor, cada participante escolhe um objeto qualquer (um caderno, uma garrafa descartável, uma pedra, uma folha seca, qualquer objeto que chame a atenção), e se detém, em concentração, de olhos fechados (ou não) a escutar a mensagem daquele irmão (Eu sou o outro você): percebendo texturas, movimentos, possibilidades de percurso, sons ou ritmos.
  3. A partir desta sensibilização, nos reunimos em círculo, sentados no chão, e a mensagem do outro você vai sendo transmitida conforme cada participante, sem ordem pré-definida, leva seu objeto para colocar no centro do círculo. O participante vai transmitindo a mensagem escutada conforme se expressa neste caminho, na maneira como sensibiliza as outras pessoas para esta mensagem. As expressões e linguagens de cada participante são acolhidas pelo grupo, em silêncio.
  4. Dispostos todos os objetos no centro, contempla-se por alguns instantes. Os propositores dão a dica seguinte: sem uma ordem pré-estabelecida (esta ordem é emanada do estado de presença), cada participante pode mover qualquer objeto, somente um por vez, em cada rodada, alterando a composição, respeitando-se ritmos e expressões de todos.
  5. Completada a primeira rodada de mutações, todos ficam de pé e deslocam-se, harmonicamente, em círculo (à direita ou à esquerda), para poder observar a composição do ponto de vista de um outro você. Os participantes trocam de lugar e inicia-se uma nova rodada de mutações, com as mesmas dicas do item 4. E, assim, quantas rodadas mais forem propostas, dependendo da satisfação do conjunto, da compreensão da infinitude do processo, de algum propósito previamente combinado e até da disponibilidade de tempo.
  6. Ao final, pode-se buscar expressar o que sentiu, respeitando-se ainda todas as linguagens e ritmos, ou escolhendo uma palavra ou pequeno relato, sempre contemplando a escuta do outro você (Quando nos sentimos realmente irmanados ao Universo, a fala do outro resulta como minha própria fala; ao escutá-lo posso me maravilhar com a unidade e complementar algo, sem necessidade de repetições.).

Esta proposição já foi levada a várias situações, países e grupos, criando um teatro imediato de dinâmica potente. O centro do círculo vai sendo imantado e cria-se uma conexão que reuni pessoas, objetos e ações. Uma dica importante para os participantes: nunca se perceba como o dominador de alguma informação, seja com relação às mensagens ou percepção da ordem de colocação. A timidez resulta como uma ação de dominação, sonegação de contribuição, uma exclusão da generosidade, pois numa proposição comunitária, a ação e a mensagem de cada um é fundamental.

Quando encaramos o tempo como arte, mergulhamos no estado de presença, respeitando os processos criativos e a expressão individual é harmonizada à coletiva.

Percebemos que, na verdade, é só a partir da vivência plena do processo que todas as pessoas podem estar aprendendo a escutar e a respeitar a si próprias e a se perceberem capazes de intervir no mundo. Com respeito e autoestima a identidade vai sendo construída. O foco de nossa atenção deve ser processo; o produto é resultado de um processo vivido em sua plenitude.

O caminho da arte, do teatro em especial, comporta a totalidade da vida e sua expressão, no seu exercício e conhecimento. O teatro se transforma em campo de conhecimento, em matéria e ciência que responde com propriedade à contemporaneidade. Através de seus atributos, a espécie humana pode se perceber criando e vivendo em comunidade e no presente, compartilhando com criatividade e saúde o construir solidário da vida e cultura sobre a terra.

Bibliografia

CAPRA, Fritjof; STEINDL-RAST David; MATUS Thomas. Pertencendo ao Universo. São Paulo: Cultrix; 1994.

GUATTARI Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus; 1993.

JUNG, Carl Gustav. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes; 1988.

RUSSELL Peter. O despertar da terra: o cérebro global. São Paulo: Cultrix, 1991.