Raízes
"Em 1984 tomei consciência das minhas múltiplas raízes. Fui então peregrinar rumo às ancestralidades, indígena, negra e italiana."
Indígena e Negra
Em 1867 (ou 1868) veio ao mundo Bárbara Estevam (ou Esteves) da Cruz uma indía Guarani, minha bisavó materna. Da aldeia foi para a capital, São Paulo, escrava indía, adotada aos 3 anos de idade pela família bandeirante Siqueira Bueno, passou a viver na casa como parte integrante da família.
Aos 15 anos engravidou de um jovem Siqueira Bueno. Para manter a honra, a família arranjou um casamento com Manoel Florentino da Cruz, um ex-escravo alforriado, que veio do Rio de Janeiro. Ele assumiu a paternidade da menina que nasceu em 1883.
Do seu casamento com Manoel Florentino da Cruz nasceram 6 filhos, dentre os quais meu avô materno, José Oscar da Cruz.
Conta-se que Manoel Florentino da Cruz, meu bisavô materno, na verdade, já tinha família no Rio de Janeiro com o sobrenome Neiva. Vindo para São Paulo para casar com minha bisavó já grávida de um jovem branco, mudou o sobrenome para Cruz e assumiu a nova família. Recebendo algumas propriedades que foram doadas pela família Siqueira Bueno para ele e a noiva, Bárbara.
Meu avô brasileiro, José Oscar da Cruz casou-se com Carolina Dazia. Muitos foram os filhos: Geraldo, o primeiro que morreu de um susto, Jandira, Dora, Romeu, Julieta, Odete, Ruth, Apparecida (minha mãe) e Geraldo, o segundo. Os filhos tiveram uma vida bastante árdua, ficaram órfãos muito cedo, e consideraram que a felicidade começou depois de casados.
História da Família Cruz
O encontro de duas primas de segundo grau (Regina Padovani e Julia Pascali) na busca de suas raízes revela histórias familiares até então misteriosas. A história do Brasil se descortina mostrando a miscigenação entre brancos, índios e negros. As fronteiras sociais são burladas pelos casamentos e paixões. Jovem aristocrata se apaixona por índia guarani, Bárbara, que servia à tradicional família Siqueira Bueno. Arranja-se então casamento com um escravo alforriado que vem do Rio de Janeiro para assumir a criança e herança.
Itália
No caminho de encontrar minhas raízes da descendência italiana, tomei como missão unir os laços, reatar a família de meu avô. Ele imigrou em 1908 para o Brasil e desde então ele não conversou mais com sua família. Os irmãos mais velhos haviam imigrado para os Estados Unidos, Califórnia.
Meu avô veio para o Brasil e se uniu à colônia Pugliesa que residia no Brás e no bairro do Glicério, no centro da capital paulistana. Lá encontrou minha avó, também de Polignano e juntos tiveram 6 filhos, dentre os quais meu pai, Paulo Pascali.
E fui procurar estas raízes.
Eu sentia muito a falta de informação e contato com os ancestrais italianos, não compreendia porque havia tanta distância afetiva. E fui procurar estas raízes.
Em 1987 passei o Natal com parte da família que vive na Califórnia, cujo endereço encontrei a partir de algumas antigas cartas. Nesse dia comemoramos o reencontro da família. Minha intenção era chegar à Itália, ao lugar onde meus avós nasceram, na cidade de Polignano a Mare. Naquele Natal peguei uma cópia de uma foto antiga que foi feita junto à família, numa viagem para Itália. Com essa foto, 8 anos depois, cheguei a Polignano a Mare.
Deixei minha mala na estação de trem e fui andar pela cidade. Assim que adentrei a parte histórica da cidade percebi com maravilhamento porque meu avô nunca teve vontade de voltar à Itália. Certamente ele não retornaria ao Brasil. Encantada fui fotografando a cidade com ares de Grécia e o mar.
Quando a película terminou, procurei comprar outra. Resolvi mostrar para o rapaz da loja a foto antiga que eu havia levado. Ele reconheceu imediatamente um amigo da juventude. Contei-lhe a história. E ele chamou o amigo, Angelo Bovino ( Sim, o sobrenome da família havia mudado, pois na Itália havia ficado somente uma irmã, que se casou com um Bovino!). Ali, na loja que vendia filmes fotográficos, o rapaz presenciou nosso encontro. Foi maravilhoso: assim que nos vimos sentimos o pulsar ancestral que nos unia. Sim, éramos parentes, do mesmo sangue. Nesse mesmo dia, muito emocionada, conheci Zia Izabella e dormi na mesma casa em que meu avô nasceu, na cidade de Polignano a Mare, na Puglia, Itália!
Raízes Artísticas
Nos dias que passei por Polignano a Mare, conheci recantos da cidade e da campanha, zios, zias, muitos parentes e o mar. Mágico mar azul. Fiquei ainda mais feliz ao perceber a identidade artística com Francesco Bovino, meu cugino (primo), tenor na Ópera de Roma. Outro parentesco surpreendente é o de Pino Pascali, artista de múltipla linguagem, perfomer, criador da Arte Povera.
Desde criança eu me conheço como italiana. Brasileira de descendência italiana. Fui criada com alimentos italianos, no meio dos meus avós italianos, Domenico Pascali e Giulia Gianocca Pascali, dos meus tios e tias, primos e primas. Com os homens que cantavam, com as uvas, orechietti (macarrão feito em casa em formato de orelha), molho de tomates, pratos típicos da Puglia, do sul da Itália. Escutando o dialeto de Polignano a Mare (que tem traços da língua grega).
Estas famílias descendentes de imigrantes italianos se uniram às de origem negra e indígena, Paulo Pascali e Maria Apparecida Pascali, meus pais, casaram no dia 20 de fevereiro de 1954 na Igreja Nossa Senhora do Carmo em São Paulo.
Nesta miscigenação os traços indígena e africano se uniram aos italianos e nós, três irmãos, Domingos Pascali, Paulo Pascali Junior e eu nos tornamos artistas.
Minha mãe amava cantar e encantava a todos cantando a capela para nós, no dia a dia e nas festas. O lado criativo de meu pai foi dedicado a ourivesaria. Desde os 14 anos.